Hoje pus na mala a minha saia branca e ao fazê-lo o aroma suave da sálvia encontrou o caminho para o meu nariz. A sálvia. A sálvia e as minhas irmãs. As minhas irmãs cheiram a sálvia. As minhas irmãs são feitas de sálvia. Nós somos sálvia.
E a saia lá se aconchegou tranquilamente mas não sem antes me apaziguar: “não te preocupes é só por um tempo, um pequeno e curto período de tempo, porque eu estou em ti, na realidade nunca saí de ti, as tuas irmãs também não. Tens cada uma bordada nos folhos de mim mesma e quando giras nas rodas antigas de tempos ainda mais antigos são elas que giram contigo e te fazem girar e me fazem esvoaçar. São elas que me levantam no ar em cada rodopio que dou, que dás, que damos. E nos teus pés descalços está gravada a memória das batidas da terra, das batidas da Mãe, por isso não te preocupes, é só por um momento que na realidade não existe porque os momentos são uma invenção dos homens e tu não és regida pela lei do Homem, a tua lei vem da Mãe e do Pai que viveram antes da vida e da morte, a tua lei não se verga à vontade daqueles que se têm como vergadores, a tua lei É e por isso está fora do alcance de tudo isso. Não tenhas medo. O tempo está a voltar. O sangue que sobe é também o sangue que desce. O tempo está a chegar. O tempo está a chegar. E as irmãs vão-se levantar e a terra vai gritar porque as filhas vão acordar e Mãe vai-se abrir como outrora abriu com um grito de prazer antigo, muito antigo do tempo antes do tempo e no dia do grito as filhas vão saber que a mãe acabou de nascer, uma vez mais, e que o tempo está a voltar. Eu sou a tua saia. Eu sou a batida do teu chão. Eu sou o canto do teu ventre. Eu sou o tremor das tuas pernas. Eu sou o que Sou e aqui te digo, as Filhas estão a acordar. E quem quiser ouvir que ouça porque eu falo aquilo que falo. O tempo está a voltar.”
Texto de Sónia Gonçalves escrito após o Retiro de Imbolc No Ninho da Serpente, a 6 e 7 de Fevereiro, em Terras de Lyz
Fotografia por Sara Rica Gonçalves
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