Não trabalhes para agradar ou provar algo aos outros. Se há um chamado, cumpre-o em ti e para ti. Escrevi esta frase um destes dias a propósito de um vídeo que vi do David Bowie.
E fiquei a matutar e a maturar no que esta frase e as palavras do falecido cantor. E é algo profundo que mexe muito nas minhas referências de caminho e de caminhar.
De forma natural, vivi uma boa parte da minha vida para agradar os outros pois havia em mim um profundo desejo de ser amada, aceite e, até, ser popular no grupo onde me insiro. Casei nova para corresponder a essa expectativa, lutei muito para ter filhos, tentei ser uma funcionária exemplar, forcei amizades pois não queria ser abandonada. No meio destes desafios que chamei à minha vida, sempre houve em mim uma mulher inadequada às leis impostas pelo sistema vigente e extremamente inadaptada àquilo que os outros achavam que eu deveria ser. Houve sempre em mim uma altivez e realeza que buscava a autoridade plena e que por causa disso se tornou perita em desmascarar as autoridades desvirtuadas. Confrontei muitas autoridades que considerei desvirtuadas. Não porque eu soubesse à partida o que era uma autoridade virtuada e alinhada, mas sim porque detectava sempre a incoerência entre o Falar e o Caminhar de quem considerava que poderia “mandar” em mim.
A autoridade e a soberania são, sem sombra de dúvida, um forte tema para mim e que implica sair da imaturidade para assumir a realeza madura de quem se apresenta no caminho que faz com saber feito. O meu mapa astral fala dessa viagem de crescimento interno e que assenta num forte chamado de alma em manifestar uma autoridade alinhada entre o coração e útero, de dentro para fora. Não é fácil, até porque este caminho implica servir de espelho e, às vezes, de exemplo que muitos negam. Normalmente recebo de volta “elogios” de que sou arrogante, sabichona ou que me coloco num patamar onde os outros consideram que não estou. Também este é uma tema, pois ao longo do caminho fui-me despedindo da necessidade de ser unanime perante os que me rodeiam para ser, cada vez mais, fiel àquilo que sou no meio da minha humanidade ferida e da minha espiritualidade carregada de experiências traumáticas, como 99% da Humanidade.
Em Agosto de 2015, depois de um processo que iniciei com a minha essência vermelha de ser mulher, entrei numa gruta antiga minha onde o meu corpo e alma me pediram “Ocupa o teu lugar!”. Claro que o primeiro instinto foi o de pensar “lugar? qual lugar?!”… Contudo, não cedi a esse ímpeto de desresponsabilização pois eu sei qual é o meu lugar, sempre soube – estar centrada em mim e ocupar-me daquilo que sinto, penso, emano e faço. Não é tarefa fácil (nada mesmo!), pois a tendência para a fuga e escapismo é forte e é natural na humanidade que me assiste. No entanto, dentro de mim sempre soube que havia um lugar vazio no meu coração que só poderia ser ocupado por mim.
A partir do momento em que assim me foi pedido, decretei também que todos à minha volta ocupassem igualmente os seus lugares. Um astro que cumpre a sua ordem passa a ocupar uma órbita própria sem interferir na rota dos outros astros e não é possível que os outros astros interfiram na sua. Foi esse o movimento que senti ser necessário. Passei a estar centrada e ocupada no meu lugar e assim tudo à minha volta estremeceu. E todos os relacionamentos significativos estremeceram também. A partir do meu lugar pude observar que muitas pessoas que diziam que me amavam e respeitavam estavam, na realidade, demasiado ocupadas com aquilo que projectam em relação a mim e para mim. Por terem sido desafiadas a ocuparem os seus lugares, ficaram perdidas pois na sua caminhada almejavam ser aquilo que não eram.
Relacionamentos ruíram mas muitas outras coisas ficaram no seu lugar. A verdade das intenções (minhas e dos outros) ficaram claras e translúcidas. Fiquei mais segura do meu lugar mas ao mesmo tempo tive a bênção e a oportunidade de curar de forma mais profunda aquilo que considerava ser o amor, o respeito, o orgulho, a dádiva, as expectativas e o medo da solidão. Passou a ser uma conversa ainda mais íntima entre mim, o meu coração:útero e o Grande Espírito. Tive de calar todas as vozes que me julgaram, condenaram, teceram considerações e julgamentos. Fui confrontada com a minha arrogância, mas também pude encontrar certezas. E devolvi a cada um dos actores o espelho das suas acções.
Foi um processo de muitos meses… 15 meses, na realidade, e que ainda continua, pois a minha Alma é sábia e prossegue nos testes para aferir na firmeza dos passos que tenho dado. E durante este tempo, tenho ficado com aquilo que me pertence e devolvo aquilo que não me pertence. Pois ao ocupar o meu lugar, ao honrar o meu caminho, fico-me apenas com aquilo que é meu. O que é dos outros, devolvo à fonte para que cada um se ocupe do que é seu. E hoje ocupo o meu lugar cada vez mais segura do que me sustenta – o alinhamento da minha autoridade interna. Contudo, também sei que aquilo que sou não é consensual nem popular. Mas é meu. Sou assim. E não posso não ser isto para que os outros me amem, me aceitem ou compreendam. Não posso viver em função dos outros pois os outros nunca irão ficar satisfeitos com aquilo que eu sou…
E o que sou? Boa pergunta… Sou intensa, silenciosa, caminhante, carrego um coração sensível que guardo num sítio especial e que manifesto apenas quando sinto segurança. Sou perita em caminhar nas sombras para entender a luz, pois é nas grutas escuras que encontro as pepitas de ouro do meu ser. E por ser perita em caminhar nas minhas sombras, isso dá-me estrutura para despir e desmascarar as sombras dos outros. E só o faço quando me dão autorização para tal, pois não me move o chamado sádico de o fazer por desporto. Dado que sou terapeuta e professora, exerço este meu dom com quem me procura (e até me paga para isso!) – acedo aos meandros da mente que mente, do coração ferido e das motivações sombrias do ser para então fazer caminho para que essas partes sejam apresentadas à parte luminosa de cada um. Não é uma tarefa fácil, pois o ser humano ainda se recusa em assumir as partes impopulares de si próprio e prefere acusar o outro daquilo que não quer ser.
Vivemos na sociedade das aparências e das ilusões. Somos o que achamos que somos mas temos dificuldade em ir ao âmago do que verdadeiramente somos. Aliás, somos isto há milhares de anos e há dezenas de vida. Vivemos vidas em função do que os outros acham, pensam e dizem sobre nós. Passamos os dias a considerar que o que o vizinho comenta sobre a vida dos outros é importante para reger a nossa conduta. Mas sabiamente os portugueses têm um ditado que diz que “nas costas do meu vizinho, vejo as minhas!”… Contudo, usamos este dizer para repressão e não para libertação. Mais ainda, às vezes assumimos também o papel do vizinho e apontamos o dedo, tecemos considerações e achamo-nos os senhores da verdade. É tão mais fácil ser o juiz em vez de ser o réu. Ou de nos colocarmos no lugar do réu.
Numa altura de redes sociais tão imediatas, é comum ver partilhas cheias de certezas absolutas quanto à conduta dos outros. A competição deixa de estar latente e passa a ser ostensiva e mordaz. Como hienas, os juízes dos bons costumes e das certezas absolutas sentam os rabos na sua cadeira, escondidos atrás de um computador e destilam todo o seu ódio e incapacidade de assumir as rédeas das suas vidas projectando no outro. A frustração é, na realidade, o grande motor. E essa frustração esconde uma profunda ferida de amor… de não serem amados… dos outros desistirem de ter a sua atenção e a escolherem não ter a sua companhia. Então vem o despeito, o rancor, a tristeza e tudo isso é enviado e projectado para um alvo, criando uma egrégore de má energia… aliás, atrevo-me a dizer que se torna magia negra que deverá ser trabalhada com as ferramentas certas.
Por isso é essencial que cada um se ocupe do seu caminho. E que cada um se torne verdadeiramente e efectivamente responsável pela sua vida, pelo que diz, faz, emana e pensa. Eu já deixei de ser o bode expiatório para as amarguras dos outros. Não admito mais isso, dado que eu não deposito nos demais as minhas amarguras. É mais fácil dizer que fazer, contudo é um caminho e é possível. Não aceito que os outros me julguem, mas também não espero a unanimidade. Cada vez mais, caminho nas relações de amor, doçura, respeito e transparência. A vida é tão sábia que o que não se enquadra nesta escolha pessoal de ocupar o meu lugar está a ser retirado com fortes aprendizagens de desapego mas também de maturidade e crescimento.
Tal como eu não posso assumir que posso julgar o trabalho e conduta dos outros (apenas posso falar com experiência), também não posso admitir que façam o mesmo comigo. E mesmo assim, cada experiência é sempre muito pessoal baseada nas crenças, feridas, expectativas e abordagens de cada um. A visão do mundo e do outro é sempre pessoal e isso não molda nem o mundo nem o outro.
Sigo então neste caminho. Caminho Alta e comigo mesmo. Pois rege-me a integridade do meu ser antigo e ancestral e a dignidade de ser quem sou. É o mínimo que peço e faço por mim, pois sou a pessoa mais importante do meu mundo e é para isso que a minha Alma escolheu uma vez mais descer a este Planeta Glorioso de abundância e aprendizagem.
Isabel Maria Angélica, 1 de Novembro de 2016
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