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Foto do escritorIsabel Angélica

A Deusa Negra por Caitlín Matthews

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Vivemos numa era de redescobertas e lembranças, onde o Divino Feminino é recuperado como a Deusa em nossa consciência.

Um de seus maiores profetas foi o poeta Robert Graves cujo livro The White Goddess despertou um mundo adormecido. Apesar de muitos tentarem readaptar seu material, poucos tiveram o mesmo sucesso em provocar respostas no mesmo nível criativo. Graves escreveu de forma lírica e poética sobre a inspiradora Deusa Branca e sua representante sacerdotisa/musa, a Mulher. Ele escreveu como um poeta do sexo masculino, totalmente apaixonado e a serviço de sua exigente amante. Também escreveu, com menos detalhamento, sobre a desafiadora Deusa Negra, aquela que “não é mais do que uma palavra de esperança sussurrada pelos poucos que serviram como aprendizes da Deusa Branca.”

O Divino Feminino pode, sem dúvida, ser compreendido por homens que se sintam atraídos pelas qualidades fascinantes da Deusa Branca no nível do amor e da inspiração. Mas a Deusa da Sabedoria, a Deusa Negra que está no âmago do processo criativo, não é tão facilmente visualizada, como disse o próprio Graves, ela “pode até mesmo surgir etérea ao invés de encarnada.” Por que é assim?

A Deusa Negra é a Sophia velada que, de muitas formas, é a manifestação primal do Divino Feminino. Ela pode ser mais prontamente identificada pelas mulheres porque seus processos e poderes ocultos se assemelham a suas próprias qualidades instintivas. Os homens raramente se aproximam dela, a não ser com medo, pois ela não se manifesta como uma musa sensual e desejável (se bem que por vezes ela assuma essa forma), mas como uma Mãe Obscura, imanente e detentora de poderes desconhecidos e inimagináveis, ou como Virago, uma poderosa virgem.

O temor dos homens pelo feminino tem origem aqui e é por isso que temos tão poucos textos falando das qualidades dela, pois poucos homens permaneceram perto dela tempo o bastante para serem capazes de registrar sua experiência orgânica da Deusa Negra, que é a poderosa base para a compreensão do Divino Feminino, pois é somente quando a homenageamos que podemos encontrar a Deusa da Sabedoria.

Sophia está em ação desde o início, pois é uma deusa criadora. Ela aguarda ser redescoberta no interior da Deusa Negra, sua imagem refletida, ciente de que, até que façamos esse importante reconhecimento, ela terá que retornar vez após vez em diferentes formas. Ela pacientemente aguarda pelo momento de emergir, ciente de que terá de desempenhar diversos papéis no cenário que surgirá.

O Ocidente lentamente começa a desenvolver uma apreciação da Deusa Negra. Nos últimos dois mil anos em que a deusa foi marginalizada, a maior parte das aparições do Divino Feminino foram avaliadas sob uma problemática ótica dualista. Nós não dispomos da válvula de segurança da metáfora feminina em nossa compreensão espiritual: consequentemente, o feminino (tanto humano quanto divino) passou a ser visto monstruosamente distorcido, ameaçador e incontrolável.

O fato de que nossas metáforas de deidades podem mudar ou assumir facetas diferentes está além da compreensão ocidental. A Deusa pode ser vista de diversas formas, um fato que levou muitos filósofos e teólogos a chamar a Deusa de volátil e mutável, como uma prostituta e seus muitos clientes.

O ocidente sempre se espantou com o fato de que o Hinduismo aceitava uma forma tão repulsiva quanto Kali. Porém, se a Deusa Negra é negada, como ocorre em nossa cultura, ela surgirá através de formas que nos levem a respeitá-la no futuro – se houver um futuro. Na sucessão das eras hindus, vivemos hoje a era de Kali Yuga, a era da destruição.

Nós costumamos dar tamanha ênfase ao benéfico e ao belo que criamos um arquétipo falso para o Divino Feminino. A Deusa, para ser aceita em nossa cultura, tem de surgir na forma de candura e luz – uma mistura de Marilyn Monroe e Vênus de Milo – sexy e um tanto obtusa. Tais polarizações são perigosas e repercutem com força no Ocidente. Essa imagem não só cria uma norma pela qual as mulheres são vistas, mas também desequilibrou nossa relação com o resto da criação. A cultura ocidental, como suas manifestações espirituais ortodoxas, é dominadora, ditatorial e patriarcal. Não permite que as liberdades fundamentais do ser humano se desenvolvam de forma equilibrada, distorcendo até mesmo as qualidades da sabedoria, do amor, do conhecimento e da compaixão.

O caminho de Sophia é o caminho da experiência pessoal. Ela nos leva a áreas que podemos chamar de ‘realidade elevada’ – os universos criativos a que os mortais comuns são levados por força de suas habilidades vocacionais e criativas. Contudo, o poético, o mágico e o criativo costumam ser negados por nossa cultura. Qualquer pessoa que tenha mergulhado no mundo da visão – definido por muitos como irreal – sabe que seu poder pode melhorar nossas vidas. É Sophia que atua como guia e companheira desta demanda interior, especialmente válida para as mulheres. Uma vez que a criatividade de Sophia é por nós negada, nós a vemos encoberta pelo manto da Deusa Negra, movendo-se silenciosa e misteriosamente para executar seus trabalhos.

** Imagem da Virgem Negra do altar da Capela de Nossa Senhora da Guadalupe, em Vila Nova do Bispo, Algarve, Portugal

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