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Foto do escritorIsabel Angélica

A culpa e o ciclo da vítima por Isabel Maria Angélica – 16.Maio.2017

“Não há culpas, nem desculpas. As coisas são o que são”

– Gabriela de Morais

Culpa

A culpa, a par do medo, poderá ser uma das armas de controlo emocional que existe nas relações humanas. Frase arrojada para iniciar este texto, mas que surge numa pesquisa diária do funcionamento das relações afectivas entre os seres humanos e, principalmente, na observação das relações das mulheres em círculo.

O sentimento de culpa, segundo o psicólogo Sigmund Freud (matéria que trabalhou de forma exaustiva ao longo da sua vida), exerce um papel crítico como um obstáculo à felicidade. Contudo, a culpa não é algo que surge espontaneamente na nossa psique, pois nós somos educados para desenvolver a culpa desde que somos pequenos e, para as mulheres, é algo ainda mais inculcado na nossa matriz emocional dado que nascemos já com essa informação que nos é passada de geração em geração e que é um dos instrumentos mais sub-conscientes que nos é transmitido desde a mensagem de que a mulher é a culpada da expulsão do ser humano do Paraíso.

O pecado original diz-nos que foi a mulher, na história do triângulo Adão-Eva-Lilith, a grande culpada da expulsão do Paraíso e desde então, em textos e filosofias judaico-cristãs, é reforçado esse argumento acusatório à mulher e a toda a sua conduta. A mulher, como geradora da vida, é então a grande perpetradora desse peso e castração que ela alimenta em si e transmite na educação que dá aos seus filhos.

Então, será seguro dizer que o sentimento de culpa é uma criação da filosofia patriarcal que, castrando a mulher e alimentando a sua culpa, nos diz que estamos condenadas a viver em dor, sofrimento e separação pois ou assumimos a culpa por tudo o que somos e fazemos ou culpamos quem nos “desvia” dos nossos objectivos internos.

A culpa é assim estabelecida internamente como uma incapacidade ou como um bode expiatório e que nos devia da responsabilidade por tudo o que somos, dizemos, fazemos e pensamos. Culpa e responsabilidade são aspectos completamente distintos, pois a primeira é um jugo e a segunda uma premissa de aprendizagem.

Culpa vs responsabilidade

Com muita frequência oiço mulheres, em ambiente de terapia ou no contexto de círculo, a falarem da culpa que sentem que carregam ou a culparem terceiros pela infelicidade de não conseguirem alcançar os seus objectivos ou desejos. A culpa é da mãe ou do pai pelos seus desaires… a culpa é do companheiro ou companheira pois sentem-se castradas… a culpa é das chefias pois abusam da sua boa vontade… a culpa é dos professores pois são demasiado autoritários… entre tantos exemplos.

Quando são apresentadas à realidade da responsabilidade que podem ter quanto ao facto de atraírem as relações ou situações para daí retirarem lições de crescimento e evolução, a maioria das mulheres treme e nem sempre sabem como processar essa informação. Se por um lado, é aliviado o sentimento de culpa, por outro surge, na maioria dos casos, o vazio por não saberem como lidar a partir do centro de si mesmas.

Por isso, gosto muito de usar a frase de Gabriela de Morais que nos diz que “Não há culpa, nem desculpa”, pois as coisas são como são. Frase que nos devolve a responsabilidade de olhar, sentir e aprofundar todas as experiências e vivências a partir do Eu – o que estou eu a emanar, sentir, pensar ou a dizer para atrair esta situação?

Os bodes expiatórios

Dada a incapacidade de estabelecermos relações de responsabilidade, somos exímias em atrair relações de culpa. Algo que a nossa vítima interna adora, uma vez que assim consegue encontrar os bodes expiatórios necessários para justificar a nossa inacção e frustração perante as lições da vida.

Se estamos em relações abusivas, complicadas, onde não salvaguardamos o nosso amor próprio, passamos a culpar essa pessoa ou pessoas das infelicidades que habitam dentro do nosso coração e que alimentam o vazio da incapacidade pessoal.

Culpar aquele que nos traz a oportunidade de crescermos (isto na visão da responsabilidade) é, assim, dar autorização para que a matriz patriarcal que nos move em caminhos insondáveis continue a reger as nossas vidas e damos autorização para o auto-boicote constante no que diz respeito ao nosso bem-estar, leveza e discernimento.

A herança materna

Somos educadas assim pelas nossas mães que, por sua vez, foram educadas assim pelas suas mães e assim sucessivamente. Mulheres que atraíram os relacionamentos abusivos e castradores, tal como nós. Não paramos para pensar onde tudo poderá ter começado e de que forma poderemos interromper este ciclo vicioso. Antes pelo contrário – funcionamentos em piloto automático.

Está comprovado pelos estudiosos da psique humana que absorvemos nos primeiros 7 anos de vida todos os mecanismos de culpa, medo, insegurança e negociação emocional. Sendo a família, nomeadamente a nuclear (pais, irmãos e até avós), o contexto onde nos desenvolvemos emocional, social e psicologicamente, é nela que vamos absorver tudo aquilo que iremos manifestar dos 7 anos em diante, nomeadamente na vida adulta, fase em que começamos a constelar nas nossas relações aquilo que aprendemos na primeira infância.

Se a nossa mãe é uma mulher dada a depressões, ou ataques de raiva, ou passividade, ou é abusada em algum nível do seu eu, as mulheres principalmente têm tendência de receber todas essas informações como as “normais”. E, “normalmente”, passaremos a manifestar essas informações na normalidade das nossas relações amorosas, de amizades e laborais.

O karma como bode expiatório

Numa era como esta que estamos a viver, a filosofia new age apregoa incessantemente a existência do karma. E muitas mulheres apresentam o karma como bode expiatório para justificarem as relações desequilibradas que têm na sua vida, nomeadamente as amorosas. “Se estou com o meu marido que abusa de mim psicologicamente é o meu karma e preciso viver isto para aprender” – esta é possivelmente a frase mais comum que as mulheres partilham quando falam das suas relações.

Contudo, o karma, tal como em tudo na vida neste Planeta de escolhas, não é taxativo nem determinista. Estamos SEMPRE a tempo de entender as aprendizagens (ou o karma) a partir da culpa da nossa vítima ou a partir da responsabilidade do nosso amor-próprio.

É evidente que cada caso é um caso, mas não me estou a cingir à excepções, mas sim à regra. E na regra é normalmente escolhida a resignação em detrimento da aprendizagem.

A culpa e as relações

Todas as relações que estabelecemos na nossa vida são a partir daquilo que carregamos como seres únicos que somos. Se uma mulher tem um pai é um homem imaturo, irá atrair relacionamento imaturos. Se a mãe sente culpa por ter nascido, a mulher irá de alguma forma manifestar relações que a sobrecarreguem nessa culpa que herdou. Estes são alguns exemplos que podem ser de dispositivos accionadores nas relações pessoais.

Nas amizades funciona exactamente da mesma forma, bem como nas relações profissionais.

Qual é então o ponto comum em todas as relações que estabelecemos – nós mesmas! E a partir de nós iremos ter a oportunidade de decidir se somos as vítimas ou não.

A responsabilidade e a culpa dos outros

O essencial será sempre questionarmo-nos do “para quê?”. Para quê atrais aquela amizade, aquele companheiro ou aquele professor. O que está a tua energia a pedir como aprendizagem e como a desejas usar para teu crescimento interior. O que queres fazer com essa situação a partir da resposta que recebes dentro do teu coração? É a tua ferida a falar ou é o teu discernimento?

É importante definir quais os teus objectivos pessoais, o que te move e o que atrais em função disso como catalisador de mudança interna.

Contudo, na energia actual não podes mais continuar a usar a culpa como arma de arremesso para perpetuar as tuas heranças ou saíres a culpar o outro como bode expiatório para as tuas incompetências emocionais ou desilusões. Tu és responsável por tudo o que dizes, fazes, emanas e pensas e as relações e o colectivo que atrais manifesta tudo o que és. É duro encarar este facto, mas ao mesmo libertador pois serás a única responsável pela resolução do que está dentro de ti.

Eu e os outros

Antes de ser professora e guardiã de círculos de mulheres, sou mulher e humana. Carrego também milhares de anos de história pessoal e colectiva, e, também eu, fui educada num determinado contexto familiar. Este último não foi bonito, amoroso e pacífico. Foi conturbado e, na visão da minha menina sensível e sonhadora, foi bem duro. Durante algum tempo sentia culpa e culpava. A tentação de utilizar as situações e pessoas como bode expiatórios é grande até que recentemente fui confrontada com a pergunta que fiz a mim mesma – para quê sentir culpa pelas incapacidades dos outros e para quê culpar-me a mim ou aos outros pelas minhas incapacidades?

Obviamente que o que me foi dado a ver sobre mim mesma não foi agradável. Os enleios emocionais e energéticos eram muitos e pude ver claramente os meus mecanismos de acção e fuga. Contudo, foi essa clareza que me trouxe o foco de dor que preciso ainda de nutrir e cuidar dentro de mim e que está associado aos meus primeiros minutos de vida nesta vida. Uma ferida de abandono, separação e ansiedade que depois foi determinando todos os meus relacionamentos, formas de agir, pensar… não foi um processo agradável, mas foi, sem sombra de dúvida, libertador. Pois por detrás de um enorme trauma que o meu corpo ainda manifesta na forma de asma, veio também um conjunto de ferramentas para uso pessoal de crescimento e até alquimia.

A culpa não existe, foi o que mais escutei durante esse processo. A culpa não existe. Existe sim a responsabilidade e eu, tu e todas nós somos senhoras da nossa responsabilidade. Bem como da forma como a queremos usar na vida de forma a nos trazer a doçura aos corações.

Caminhando.

Um abraço de coração:útero Isabel Maria Angélica

http://www.terrasdelyz.net | www.ninhodaserpente.net

NOTA – este tema pode e deve ser trabalhado em ambiente de terapia ou em cursos e podes contactar pelo email – terrasdelyz@gmail.com

Este texto pode e deve ser divulgado desde que respeitada a sua fonte: Isabel Maria Angélica | 17 de Março de 2017 | Terras de Lyz | www.terrasdelyz.net | Ninho da Serpente | www.ninhodaserpente.net Imagem: encontrada na Internet

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